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Filipe Baptista-Bastos: “O meu Pai sempre foi um puto de bairro com uma cultura extraordinária”

O apelido não engana, Filipe é filho do jornalista e escritor Armando Baptista-Bastos. Psicólogo de profissão, recorda a vida do seu pai, falecido, em 2017, com 83 anos.

– Na “Crónica Familiar” que Armando Baptista-Bastos escreveu para o Jornal de Negócios, disse que teve a casa cheia com a família que sempre desejou. Ele era uma pessoa muito ligada à família?

R: Sim. É uma Crónica muito bonita, ele escrevia maravilhosamente. O meu Pai sempre teve preocupações com os filhos e, muito mais tarde, com os netos. Os meus dois filhos. Ele adorava os rapazes. Chegava a estar tempo perdido a olhar embevecido as fotografias deles no telemóvel. Como sabe, o meu Pai perdeu a Mãe muito cedo e ficou com o Pai, um grande Mestre Tipógrafo. Agora, imagine o que era a vida de um Pai viúvo com um filho nos anos 30 e 40 do século passado. A “Viagem de Um Pai e Um Filho pelas Ruas da Amargura”, dá, emocionalmente, o que o meu Pai terá sentido. Construiu uma família e isso foi fundamental para ele e para nós. Aliás o nome, Baptista-Bastos, é uma obra do meu Pai, junta o que nunca teve, o nome da Mãe, Baptista, com o nome do Pai, Bastos. Logo aí constrói uma família. 

– Como caracteriza o seu pai enquanto comunicador?

R: Para mim, era um contador de histórias único; um homem autêntico nos sentimentos, o que o prejudicou, profissionalmente, muitas vezes. Era alguém que vivia as relações à flor da pele e, assim, falava o que sentia em casa e em todo o lado. Claro que me fala, antes do que quer que seja, do meu Pai, mas não vejo grande diferença no que escrevia ou falava na televisão e na rádio, do que ele era. Recordo-me de terem feito uma exposição sobre ele no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, e de ver o meu Pai ansioso. Isto pensando que era um homem que tinha corrido mundo, feito tudo e mais alguma coisa, entrevistou o Orson Welles na Tour d`Argent e pediu um bife, cobriu a erupção dos Capelinhos nos Açores, estando dias sem dormir, e por aí a fora. Pensar que, com quase 80 anos estava, ligeiramente, nervoso com uma exposição, transmite-nos a força de viver que o meu Pai tinha. Era e sempre foi um puto de bairro, mas com uma cultura extraordinária.  

– O facto de ele se apresentar sempre com um laço está ligado a alguma história em particular?

R: Está. Nós vimos de uma família de construtores de Jornais: o meu Avô, o meu Tio, o meu Pai. Isto dito por camaradas de trabalho, o meu Pai era o único jornalista, nos tempos antigos, que conseguia escrever a notícia, revê-la, montá-la e pô-la a aparecer na tipografia. E era assim porque o meu Pai tinha sido, a certa altura, Tipógrafo, como trabalhou em muitas outras coisas. Sabia fazer um jornal do princípio ao fim. O laço é porque, quando se montava um jornal, se usasse gravata, esta podia ficar enfiada na máquina, na rotativa, o laço não.  E ficava-lhe muito bem.  

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Foto: Diário de Notícias

– A irreverência da escrita de B.B. refletia-se na sua vida pessoal? Em que aspetos?

R: Sim, é claro. O meu Pai não era “para brincadeiras” se o provocavam ou sentia que havia falta de respeito em relação a ele, aos seus e aos amigos, respondia. Ia até mais longe: qualquer direito que fosse colocado em causa: sexo, raça, ideologia, zangava-se a sério. Ele respeitava muito as pessoas e não as queria iguais a ele. O que não perdoava era a traição ou a falsidade. E, sim, andava à tareia, se fosse preciso, escrevia duro, no osso, caso achasse que era preciso. Mas não era indelicado, como, por exemplo, tipos como o João Miguel Tavares são. Tinha uma educação e cultura à prova de bala e escrevia como já não há.

– Por o seu pai ter perdido a mãe tão cedo, considera que sentia necessidade de proteger em demasia os seus filhos?

R: Não. Somos latinos e temos a cultura e a tradição de estarmos muito ligados aos nossos filhos. Não acho que seja isso. Eu e o meu Pai gostávamos muito um do outro, assim como julgo que ele gostava dos meus irmãos. A minha família de origem e a família que construí tem laços de afecto muito fortes. Os meus Pais foram assim e a minha Mãe continua a ser: com os braços abertos e com emoções que não são escondidas. Em relação a mim, o meu Pai foi sempre um impulsionador. Aliás, a minha ida para Psicologia tem uma mão muito forte do meu Pai. Ele incentivou-me, ajudando a minha escolha e apoiando-a. Esteve sempre lá. Já com muita idade, doente e com dificuldade em andar, foi ver-me à Faculdade de Psicologia de Lisboa, num Congresso onde fui falar. Tenho vários livros de Psicanálise que eram do Pai e outros que ele me foi oferecendo ao longo do tempo. Ele era um homem com muitos interesses. 

– Em que aspetos da vida Armando Baptista-Bastos colocava em prática os seus valores comunistas? Passou-os aos seus filhos?

R: O meu Pai foi Comunista até ao fim. Nunca o ouvi a fazer uma crítica destrutiva ao PCP. E o partido não esteve bem com ele. Após o fim do jornal O Diário, o meu Pai afastou-se com a dignidade que lhe era comum. Nos anos 90, foi o maior despedimento em massa da comunicação social em Portugal. Eu sou comunista, tenho essa matriz ideológica, mas não sou militante do PCP. Aos meus irmãos terá de lhes perguntar, que não vou responder por eles. Eu sou comunista porque o meu Pai me transmitiu a importância da luta de classes e a ideia de que temos de ter todos as mesmas possibilidades. Para mim, estas ideias sempre foram claras e procurarei passá-las aos meus filhos.

– Acha que o seu pai se importava com a opinião dos outros sobre ele?

R: Toda a gente se importa. Agora, se me disser que, fosse quem fosse, lhe tirava o sono com uma crítica, isso nem pensar. Preocupávamo-nos mais nós. Lembro-me de ele se rir e gozar com ataques do Lobo Xavier, olhe, do João Miguel Tavares e, em massa, do jornal Expresso que deixei de ler faz anos. O meu Pai vinha de um meio extremamente difícil e exigente, não se assustava com qualquer coisa. Uma vez o Pedro Rolo Duarte foi malcriado com ele, o Rolo Duarte que tinha dito sempre maravilhas do meu Pai, e o meu Pai agarrou-o pelos colarinhos assim que o apanhou. Por acaso, foi numa ocasião pública e teve de ser a minha Mãe a serenar aquilo. Coisas destas aconteciam quando havia relação, se não houvesse, ele ria-se.

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Foto: Caras

– O seu irmão Pedro afirmou numa entrevista à Rádio Renascença o seguinte: “o meu pai dizia que não era católico, mas acho que no seu íntimo ele sempre guardou a sua crença em Deus. E sempre teve experiências ao longo da sua vida que, creio eu, mais o aproximaram de Deus do que o afastaram”. Qual acha que era a perspetiva do seu pai sobre a religião?

R: Essa pergunta é para o meu Irmão. Ele é católico, assim como a minha Mãe, eu não sou. Não penso nada assim. O meu Pai era um conhecedor das religiões, em especial da Católica, um estudioso, com uma biblioteca valiosa sobre Teologia, mas era um convicto Ateu, até ao fim. O meu Pai esteve durante dois meses internado numa delicada situação de saúde e estive com ele todos esses dias. Nunca o ouvi falar sobre tal coisa. Perguntou pelos netos. Em 42 anos de intensa relação com o meu Pai nunca lhe ouvi nada que o aproximasse a Deus, a não ser a curiosidade. Tinha respeito e educou-nos assim. Repito, a minha Mãe é católica e sempre tivemos em casa, como hoje tenho na minha, quadros ou representações religiosas, mas daí a ser um crente vai uma distância muito grande.

– O Filipe é psicólogo, o Pedro advogado e o Miguel professor. Nenhum enveredou pelo jornalismo. O seu pai tinha esse desejo?

R: É isso, o meu Pai sempre quis que cada filho seguisse o caminho que entendesse. Nunca gostou de colagens. O que, no fundo, seria uma identificação a ele. Aliás, ele dizia que não queria que os filhos fossem Jornalistas porque era uma profissão terrível. Quando acabei a licenciatura em Psicologia, tive um amável convite de um grande amigo Jornalista, o Manolo Bello, para enveredar pelo Jornalismo e não quis. Segui o conselho do meu Pai.

– Quem deu mais a quem? Baptista-Bastos ao jornalismo ou o jornalismo a Baptista-Bastos?

R: O meu Pai dizia que o Jornalismo lhe tinha dado tudo. E ter-lhe-á dado muito, mas pensemos no tempo de trabalho que o meu Pai teve: anos 50, 60, 70, 80, 90, até 2000. O meu Pai é internado a uma quinta-feira e, salvo erro, tinha sido editada uma crónica dele no dia anterior. É impressionante como uma pessoa consegue manter um nível de qualidade e produção como ele conseguiu. Era apaixonado pela escrita. Em tudo: notícia, reportagem, crónica e entrevista. Para além disso tudo, é um Escritor fabuloso que muitas vezes me parece oculto pelo enorme jornalista que foi. O que é uma pena. Os romances do meu Pai são de um carácter invulgar. Leia, por exemplo, A Colina de Cristal e diga-me o que pensa.

Francisco Martins
Estudo Jornalismo e Comunicação e foi algures entre a escrita e o desporto que lá veio a ideia de poder vir a ser jornalista. Contar histórias, conhecer pessoas e relatar o que de especial há nelas. No fundo, dar aos outros coisas para falarem.

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