
Como a suspensão das aulas na Universidade de Coimbra afetou a vida de intercambistas
Já era noite quando, exatamente uma semana atrás, centenas de alunos da Universidade de Coimbra (UC) receberam um e-mail da Reitoria informando sobre a suspensão das atividades letivas presenciais, devido ao Coronavírus. O plano de contingência, que inicialmente era de pelo menos 15 dias, informava que, além das aulas, estavam suspensos e adiados também eventos científicos, culturais e desportivos, bem como atividades em bibliotecas e salas de estudo. O choque maior veio no dia seguinte, quando a universidade notificou que algumas das residências universitárias seriam encerradas. A medida, sem sobreaviso, foi recebida com muita surpresa e afetou sobretudo a vida dos intercambistas.
“Já havia rumores de que a universidade poderia suspender as aulas por alguns dias… Estávamos atentos, mas não fazíamos ideia de que seria um baque tão grande, essa notícia”. A declaração é de uma jovem estudante brasileira que preferiu não se identificar, e que ainda não sabe qual decisão irá tomar em relação à sua estadia em Coimbra: “Isso sempre foi um sonho pra mim, estar aqui na UC, mas todo esse clima tem me deixado apreensiva e incerta sobre ficar aqui ou retornar para o Brasil”.
Foi o caso da brasileira Mykaelly Souza, de 21 anos, que voltou para sua cidade Goiânia (GO) na tarde de ontem. A estudante de Direito contou, em entrevista ao Jornal Pari Passu, que estudar na Universidade de Coimbra, tão renomada na graduação que ela cursa no Brasil, era um grande sonho: “Eu queria viver uma nova cultura, ter uma experiência acadêmica diferente e melhorar algumas questões pessoais também. Eu amei as aulas da UC e toda a tradição que ela tem”. Mykaelly, que estava frequentando a universidade há apenas uma semana devido ao início tardio das aulas na faculdade de Direito, contou que a notícia da suspensão das aulas a deixou bastante abalada: “Eu decidi voltar para o Brasil porque a situação do Coronavírus estava me deixando muito ansiosa, e como eu tenho síndrome do pânico, comecei a ter muitas crises. Minha psicóloga, assim como a minha família, acharam melhor eu voltar para casa”.
Fotografia retirada do banco de imagens Pexels
Aos alunos que ficaram em Coimbra, cumprindo quarentena voluntária e se resguardando em suas casas, a universidade garantiu a continuidade das aulas via meios digitais. Com a decisão de prolongar a suspensão das atividades presenciais até 9 de abril, quando se irá deliberar novamente sobre uma data de retorno, a UC adaptou-se para evitar maiores prejuízos aos discentes. Muitas unidades curriculares da universidade terão aulas síncronas via Zoom, plataforma especializada em videoconferências, por exemplo, e outras como Google Drive, Slack, Padlet, etc.
São essas medidas que, por outro lado, conseguem acalmar os ânimos de intercambistas que pretendem continuar seus períodos de mobilidade em Coimbra. A situação se complica, entretanto, em relação àqueles que não só dependem das aulas da universidade, mas também das residências estudantis.
Um dia após o anúncio da suspensão das atividades letivas presenciais, a Universidade de Coimbra notificou os moradores dos alojamentos de que alguns deles seriam fechados. A instituição declarou que uma orientação emitida pela Direção-Geral de Saúde relativa aos procedimentos de prevenção, controle e vigilância em hotéis também se aplicava às residências estudantis e, por isso, com o intuito de conter a disseminação do Covid-19, encerrou alguns alojamentos.
Tiago Zaniratti, intercambista brasileiro que estuda psicologia na Universidade de Coimbra e é residente do alojamento Pedro Nunes, da UC, contou em entrevista cedida ao Jornal Pari Passu sobre o momento em que soube do fechamento das residências: “Foi curioso quando recebemos essa notificação da SASUC (Serviços de Acção Social da UC), porque era aniversário de uma pessoa aqui no alojamento e, na hora, estávamos todos num momento de confraternização, num momento muito festivo”.
O gaúcho, natural de Cachoeirinha (RS), comenta que a mensagem enviada pelo órgão responsável da instituição de ensino pedia aos estudantes europeus residentes dos alojamentos que retornassem para suas cidades e suas casas, se assim fosse possível. Os demais residentes que não tivessem outro lugar para morar deveriam avisar ao SASUC e este iria remanejá-los para as residências estudantis que permanecessem abertas. “O meu alojamento – Pedro Nunes – é um dos que ainda está aberto, e aqui serão nove vagas que serão repostas por conta do remanejo de pessoas que ficaram sem alojamento.”, conta Tiago Zaniratti.
Fotografia retirada do banco de imagens Pexels
O estudante de psicologia garante que todos os residentes do alojamento Pedro Nunes estão saudáveis, mas diz que há certa tensão no ar em relação à chegada dos demais universitários por não se saber o estado de saúde dos mesmos. “Eu tenho conversado com alguns colegas aqui da minha residência para que eles percebam que isso é uma questão que tem um outro lado também.”, explica Tiago. “Imagina como devem estar se sentindo as pessoas que estão vindo pra cá, que perderam sua residência universitária… Quanto menos oposição, quanto menos resistência elas tiverem de nossa parte aqui, e quanto maior for o acolhimento de nossa parte, mais fácil será a convivência”, diz Zaniratti, que afirma que a convivência pacífica e saudável neste momento atípico é extremamente necessária.
Entre os intercambistas, o clima é de tensão. Tiago, que mora com muitos deles, afirma: “Alguns alunos estão ficando realmente muito agitados, alguns resolveram voltar para o Brasil e esperar a situação se resolver para retornar para Coimbra, outros tenho visto que estão encerrando seu período de intercâmbio mais cedo, sem efetivamente concluir o semestre”.
Quando perguntado se ele pensa em interromper a experiência de mobilidade e voltar para seu país de origem, o brasileiro assegura: “Minha perspectiva é de ficar, acho que vai normalizar. Eu estou um pouco assustado, mas não chega a ser medo. Acho que é importante a gente manter a sanidade mental nesses momentos, falando normalmente com as pessoas e tentando agir da forma mais natural possível. Acredito que seja uma fase, apenas, e que, aos pouquinhos, as coisas vão voltar ao normal”.
Pioneira no desenvolvimento de programas de intercâmbio estudantil, a Universidade de Coimbra faz parte do programa Erasmus há mais de trinta anos e sua população estudantil integra discentes de cerca de 90 países diferentes. Todos os anos, a UC recebe aproximadamente 2 mil estudantes de intercâmbio. Até o momento, a instituição não divulgou uma data definitiva de retorno às aulas e atividades presenciais, mantendo, assim, o plano de contingência e atividades letivas por meios on-line.
Fotografia de destaque retirada de SputnikNews