Ludis

8 anos depois, Ricardo recorda o “sonho de menino” de vencer a Taça de Portugal

David Simão pode criar perigo. Vira o jogo lá para a esquerda, é para Diogo Valente. Tira o cruzamento… Marinho… Golooooooooooooooooooooo

Foi desta forma que a Rádio Universidade de Coimbra relatou o golo da vitória da Académica na final da Taça de Portugal de 2012. Há 8 anos, a Briosa venceu o Sporting por 1-0 e, 73 anos depois, voltou a levantar o troféu. No caminho até à final, a Académica eliminou Oriental, Porto, Leixões, Desportivo das Aves e Oliveirense.

No dia 20 de maio, o topo sul do Estádio Nacional vestiu-se de negro para ver a Académica vencer a segunda Taça de Portugal da sua história e celebrar “o sonho de gerações”.

Arrecadada a vitória, os festejos em Coimbra duraram a noite inteira. Estudantes estenderam as suas capas em agradecimento aos atletas que foram recebidos como heróis. As ruas da cidade encheram-se e os cachecóis agitaram-se ao som dos cânticos que marcaram a conquista.

Ricardo Nunes foi o guarda-redes da Académica nesse jogo e conta como foi o percurso na competição e o que sentiu ao levantar a taça.

Ainda te lembras da caminhada até à final?

Lembro-me, perfeitamente. Foi uma caminhada inesquecível. É uma recordação que fica para a vida toda. Deve ter sido o momento mais alto da minha carreira, sem dúvida. Claro que me lembro dessa caminhada, de todos os jogos que fizemos até lá chegar, de todas as peripécias e de todas as coisas que foram acontecendo… foi uma coisa fantástica.

Que peripécias foram essas?

Para mim, o jogo mais marcante, independentemente de termos eliminados o Porto, o jogo‑chave foi a vitória em casa sobre a Oliveirense aos 90+5’ com o golo do Habib. Aí foi a explosão total. O estádio estava para aí a meia lotação, com um bom ambiente e acho que foi o que nos catapultou para a final do Jamor. Demos um passo importantíssimo aí e, sem dúvida, apareceu a estrelinha que é preciso ter naqueles momentos decisivos para conseguir lá chegar.

Na altura, não eras opção no campeonato. Como é que te motivavas para jogar na Taça de Portugal?

Isso é verdade, não comecei a jogar para o campeonato. Até começámos muito bem essa época e as coisas acabaram por nos correr muito bem, porque fizemos uma boa primeira volta. Eu vinha só a jogar para a Taça de Portugal. Para mim era a única maneira que eu tinha para poder demonstrar que também tinha valor e qualidade para poder jogar no campeonato. Tentava agarrar essas oportunidades para demonstrar o meu valor com unhas e dentes e tentava mostrar, sempre que era chamado, que estava disponível, caso precisassem de mim, para jogar no campeonato. A caminhada que tivemos e os resultados e as exibições que fomos alcançando [na Taça] também foram ajudando a equipa e as pessoas a terem uma opinião diferente de mim. Depois, por acaso, até acabei por começar a jogar para o campeonato nas duas últimas jornadas.

Na campanha na Taça jogaste todos os jogos, exceto o jogo com o Desportivo das Aves…

Estava lesionado. Num jogo em Olhão, estava a ajudar o guarda-redes titular a aquecer e fiz uma pequena lesão. Para não agravar, não joguei [contra o Desportivo das Aves].

Na época 2011/12, a Académica esteve numa situação delicada até ao final do campeonato, tendo apenas conseguido a manutenção na última jornada frente ao Vitória SC. No entanto, na Taça de Portugal foi sempre tendo sucesso. O que explica essa dualidade no rendimento da equipa?

Começámos bem o campeonato, como disse. Estávamos a fazer um campeonato bastante regular. Depois, na segunda volta, não sei o que é que aconteceu. A equipa jogava bem só que os resultados não estavam a aparecer. Quando se entra nessas fases de declínio, depois é difícil sair delas. Nós, como equipa, agarrámo-nos muito à Taça, pois tínhamos ali uma boa oportunidade para alcançar um feito histórico para o clube e para a cidade. Não nos esquecendo do campeonato, que sempre foi o principal objetivo, mas, no subconsciente dos jogadores, a Taça seria o mais importante. Com o passar das eliminatórias e com o ganhar ao Porto, a malta foi-se desleixando um bocado em relação ao campeonato. Logicamente, não foi só isso. Existiram outros fatores como a bola não entrar ou, em certos jogos, a malta não ter dado tudo o que tinha que dar… mas tínhamos um grupo fantástico, apesar dos momentos difíceis que passámos: muitas esperas da Mancha Negra [claque da Académica] na academia, levar com ovos no autocarro, mil e uma coisas. Foi contraproducente, porque aconteceram momentos épicos e aconteceram coisas negativas. Esse ano teve essa beleza de atingirmos coisas fantásticas e de atingirmos momentos muito maus.

Acadêmica é bicampeã da Taça de Portugal |

A Taça servia para desanuviar?

Quer tu queiras quer não, vais sentindo que estás quase a alcançar um objetivo que é o sonho de qualquer jogador, jogar uma final. Começas a passar eliminatórias e começas a ver que realmente estás muito perto de lá chegar. Até o sorteio foi benéfico para nós. Eliminámos o Porto, que foi o adversário mais difícil que tivemos pelo caminho e depois jogámos com o Aves em casa, nunca dizendo que as equipas são acessíveis porque nessa competição acontecem sempre muitas surpresas, mas o sorteio podia ter sido bem pior. Mesmo nas meias-finais, apanhámos a Oliveirense e podíamos ter apanhado o Sporting. Os jogadores sentiam “é o nosso momento”. Depois daquele jogo em Matosinhos em que estamos a perder quase no fim e com aquele golo do Fábio Luís vamos para prolongamento e ganhamos, a malta começa a pensar “isto está a dar para nós” e começa-se a focar muito mais na Taça e existe aquela ansiedade de poder jogar a competição.

No início, não te passava pela cabeça que fosse possível vencer a Taça de Portugal?

Logicamente que não. É assim, se perguntares a todos os jogadores profissionais de futebol, principalmente os portugueses, se têm algum sonho em mente, de certeza que é jogar uma vez uma final da Taça e ver aquele ambiente fantástico que existe no Jamor. Mesmo eu, desde pequenito, que vejo que toda a gente acompanha a final da Taça. Não há mais jogos nesse dia e é uma festa. O pessoal com o farnel, o ambiente todo à volta do estádio… Naquele dia, passou a cidade de Coimbra praticamente toda para Lisboa. Foi sempre uma coisa que quis que se realizasse. Foi fantástico.

Foi no jogo contra o Leixões que pensaste “isto pode cair para o nosso lado”?

Foi. Quando começa, todos os jogadores querem atingir a final da Taça. São jogos a eliminar, é um jogo, tudo pode acontecer. Todas as equipas vão tendo esse jogo e esse objetivo. Umas conseguem, outras não. É uma competição diferente, é uma competição ímpar em que os resultados são muito imprevisíveis. Não existem jogos fáceis. Principalmente esse jogo em Matosinhos e o do Porto fez-nos ver que podíamos lá chegar.

Quando carimbaram o passaporte para a final, o que é que sentiste?

Foi uma alegria imensa. Aquele jogo em Coimbra [1ª mão da meia-final] em que o Habib faz o golo aos 90+5’ foi um libertar de emoções fantástico. Depois, chegar ao Estádio Marcolino de Castro, em Santa Maria da Feira [casa emprestada da Oliveirense para a 2ª mão da meia-final], e ver o ambiente que as pessoas de Coimbra criaram atrás daquela baliza e o estádio pintado de preto e branco…  depois conseguirmos atingir o feito, o que gerou aquela invasão de campo… as pessoas a abraçarem-nos de felicidade e a darem-nos os parabéns… Conseguimos cair em nós e dizer “estamos no Jamor”. Foi, sem dúvida, uma alegria imensa.

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O que é que era preciso para bater o Sporting na final?

Numa final tudo pode acontecer. O Sporting era candidato e ninguém nos daria o favoritismo a nós. Nós, para dentro, sabíamos bem o nosso valor, sabíamos bem o grupo que tínhamos, sabíamos muito bem aquilo que queríamos. A nossa motivação estava no auge. Não tínhamos que mostrar nada a ninguém. Simplesmente íamos disfrutar de uma final com o máximo de responsabilidade a representar o símbolo que tínhamos ao peito como sempre o tínhamos feito. Tínhamos um grupo fantástico, super motivado, super confiante e a equipa técnica passou-nos todas as mensagens que poderíamos ter para ultrapassar o adversário. A bola rolando, são onze contra onze, tudo pode acontecer e ainda bem que caiu para o nosso lado.

Que mensagens foram essas?

O mais incrível foi o vídeo motivacional, que tivemos antes de ir para o jogo, ao sairmos do hotel, em que falaram quase todas as nossas famílias a deixar uma mensagem de força e de motivação. As lágrimas começaram a cair a muitos jogadores. Foi uma mensagem muito sentimental. Senti mesmo que aquela mensagem entrou no meu coração e no dos meus colegas. Saímos dali super motivados para ganhar e acho que aquela mensagem de força e de coragem para enfrentar o desafio foi importante e ajudou-nos a superar o obstáculo Sporting.

Alguma frase que guardes de algum colega, treinador ou presidente que te tenha deixado ainda com mais vontade de ganhar?

Por acaso, não. A nossa maior motivação era saber que o estádio ia estar meio/meio. Sabíamos que os bilhetes, da parte da Académica, tinham esgotado. Passámos a manhã toda a ver as imagens do que estava a acontecer no Jamor. Apesar do tempo estar um pouco incerto, estava muita muita gente da Académica. Estávamos sempre atentos a ver os autocarros a sair de Coimbra, a ver o ambiente que se estava a criar à volta do estádio e fomos sentindo muito isso. A nossa maior motivação era ver os nossos adeptos ali a poder festejar e estarem do nosso lado a apoiar-nos. Também sentimos a envolvência à volta do hotel. Muita gente a passar, a apitar, a deixar mensagens. Foi um momento inesquecível, sem dúvida.

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Descreve o dia da final.

Já estávamos em Lisboa em estágio. Fomos dois dias antes, porque fizemos um treino de adaptação ao relvado do Jamor. Ao ir para baixo [de Coimbra para Lisboa], passámos em Fátima. O mister [Pedro Emanuel] quis passar em Fátima por uma questão de crença e de fé. Parámos, quem quis fez as suas devoções. Seguimos para Lisboa, fizemos treino de adaptação. No dia do jogo, acordámos e tomámos o pequeno-almoço. Fizemos alguns exercícios de descompressão e fomos dar um passeio nas imediações do hotel. Almoçámos e, de seguida, tivemos a reunião de grupo e saímos para o jogo. Depois foi a festa, foi a loucura por Coimbra.

Para ganhar aquele jogo foi preciso mais razão ou coração?

Numa final tens que jogar com o coração e tens que jogar com a razão. Tem que ser um misto das duas coisas. Sabíamos que, para jogar com o Sporting, tínhamos que fazer um jogo perfeito. Tínhamos que estar no nosso melhor, porque o Sporting tinha uma boa equipa. Independentemente de passar, ou não, uma boa fase, é sempre o Sporting. Sabíamos que tínhamos hipóteses de os derrotar e acho que foi só acreditar. No fim, foi mais com o coração do que com a razão, porque naquela altura só queríamos a bola longe da nossa baliza. Quanto mais o tempo se aproximava do fim, mais alto falava o coração. O importante é que tudo deu certo e depois, no fim, saímos todos a festejar.

Tiveste algumas defesas fundamentais para garantir o resultado final…

Fiz a minha parte como vinha a fazer ao longo de toda a caminhada e para isso é que tinha sido chamado. Dei o meu melhor. Nem o Marinho foi herói por marcar, nem eu fui herói por defender. Foi a vontade e o querer de todos em levar aquela taça para Coimbra e acho que tínhamos uma grande equipa. Se fores ver, os jogadores daquela altura são jogadores que ainda deram muito ao futebol e que foram para outros clubes e conseguiram grandes carreiras. Como colegas, sempre fomos um grupo muito unido e coeso. Esse foi o segredo.

Dois jogadores, o Cédric Soares e o Adrien Silva, que eram emprestados pelo Sporting. Houve alguma brincadeira com eles por causa disso?

O Sporting e o Sá Pinto fizeram mind games por causa disso. Estavam sempre a dizer que o Adrien e o Cédric não podiam jogar, porque eram emprestados. Houve muita confusão e alarido por causa disso. O Adrien e o Cédric sempre disseram que eram profissionais e que, naquele momento, representavam a Académica e iam dar tudo. Independentemente de jogarem contra o Sporting, eles queriam era ganhar o título. Nós só tentávamos que eles se abstraíssem disso. Não é por acaso que foram dois jogadores importantíssimos nesse jogo e que estiveram muito muito bem.

O que sentiste quando meteste as mãos na taça?

São sentimento indescritíveis. Nem consigo explicar muito bem. Foi o concretizar de um sonho de menino. Estive 7 anos na Académica e se me perguntasses no primeiro dia que cheguei a Coimbra se ia conseguir conquistar uma Taça de Portugal… nem nos melhores sonhos isso me passava pela cabeça. Lembro-me perfeitamente de tudo, tenho tudo na minha cabeça. Todas as memórias, todas as recordações… Tenho uma foto fantástica em que corro e me ajoelho e ela representa o meu sentimento de alívio. A pressão é tão grande num jogo desses… sentes uma pressão tão grande de não poderes falhar… Já viste o que era um guarda-redes falhar numa final daquelas? Uma pressão enormíssima em cima de ti… Aquilo foi um misto de felicidade com descarga de sentimentos de alívio. Tipo: consegui, passou. Essa foto espelha muito bem isso. Só me deu vontade de correr e ir para a beira da Mancha e daquela onda de academistas e festejar com eles.

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Essa foto é o retrato da cidade de Coimbra a viver a conquista que tinha acabado de acontecer?

Sem dúvida. Estavam, aproximadamente, entre 10 a 12 mil adeptos da Académica. Foi uma loucura quando a gente chegou a Coimbra. Nunca vi a cidade assim. Gente por todo o lado. O autocarro nem se conseguia mexer. Subimos à varanda da Câmara. Foi incrível, mesmo uma loucura. Nunca pensámos que a Académica tivesse tantos adeptos, nem que a cidade se pudesse mobilizar daquela maneira. Mesmo no fim do jogo, quando íamos de autocarro para Coimbra, depois da final, os carros a pararem à nossa espera para virem atrás em cortejo, as motas, as pessoas nas pontes… foram momentos mesmo incríveis. Depois, aquela volta na cidade de autocarro panorâmico, com toda a gente a querer-nos abraçar e tirar fotos foi uma coisa indescritível que só quem viveu isso sabe o sentimento que foi.

Francisco Martins
Estudo Jornalismo e Comunicação e foi algures entre a escrita e o desporto que lá veio a ideia de poder vir a ser jornalista. Contar histórias, conhecer pessoas e relatar o que de especial há nelas. No fundo, dar aos outros coisas para falarem.

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