
“Microfone virtual” de NERVE esteve aberto ontem no Instagram
“Batidas sujas” são trocadas por “balas”, desta vez, ‘online’. Artista do ‘hip-hop’ português organiza sessões de poesia partilhada.
Nas últimas semanas, foram adaptadas para o digital muitas e variadas atividades. Concertos, aulas de cardio ou exibições de museus são apenas alguns exemplos do que se pode fazer em casa a partir de um ecrã, durante este período de quarentena. “PURGA” – sessões de poesia organizadas pelo ‘rapper’ NERVE – acompanharam o movimento, no Dia Mundial da Poesia. Foi em direto na sua conta de Instagram que Tiago Gonçalves, o homem por detrás do pequeno nome de cinco letras, abriu, de cigarro na mão, espaço para uma descontraída troca de palavras.
“Monstro Social”, “Sacana Nervoso”, “Lobo Solitário”. São várias as alcunhas que se atribuem ao artista. Além de ‘rapper’, Tiago Gonçalves é produtor musical, designer e, naturalmente, poeta. Começou por subir aos palcos para apresentar “uma lírica ácida” acompanhada de “batidas sujas”, descreve a Time Out. Tendo depois criado um espaço de declamação e partilha de textos. O nome é “PURGA” e a série montada pelo artista baseia-se na leitura de poesia e prosa de autor. Segundo disse à Rimas e Batidas, a ideia já tinha uns anos e o desafio principal é sempre compilar e apresentar material novo e diferente a cada mês.
“Este é talvez o melhor contexto para se ser poeta desde há muito. Não falta matéria no mundo para explorar, nem faltará matéria no poeta como reação. A missão é registar”. Começou assim a sessão de ontem e foi seguida pelo contributo do próprio NERVE, que costuma trazer ao público um conjunto de poemas misturados com algumas letras ou excertos da sua discografia, nos quais tem mais orgulho, contou também à Rimas e Batidas. “Enquadro facilmente [essas letras] no contexto da declamação livre, sem os constrangimentos de um instrumental ritmado”, explicou.
Após apresentar aos mais de 600 espectadores os 10 poemas que tinha preparado, deu a vez a um convidado. O procedimento é habitual nas sessões presenciais e não deixou de acontecer em direto no Instagram. “Fomos colegas de escritório, somos colegas nas artes e, agora somos, cada um para seu lado, mais ou menos colegas neste isolamento”, brincou NERVE ao introduzir Francisco Gomes. No final, há o chamado “microfone aberto”, momento em que qualquer membro da audiência pode dar uso ao, desta vez, “microfone virtual” e expôr os seus poemas. A regra é apenas uma: que se trate de um original; e candidatos não faltaram.
Enquanto músico, já lançou três EP, dois álbuns e várias colaborações com colegas do panorama nacional do ‘hip-hop’. Entre trocadilhos fluídos, referências discretas e sentidos escondidos, o Lobo Solitário conquistou um público muito próprio. O Jornal Universitário do Porto (JUP) descreve: “de facto, os momentos mais satisfatórios na escuta de uma música do NERVE acontecem quando, após a milésima escuta, conseguimos descodificar aquele verso que parecia indecifrável. É aí que uma canção passa de um conjunto de palavras sem sentido para um poema tão belo como o de qualquer grande poeta que estudámos na escola”.
Referências nas suas músicas vão dando, a quem o ouve, peças para construir uma imagem de NERVE: “Morto-vivo, inexpressivo, pálido como um lençol-fantasma, nos meus melhores dias pareço um vampiro”, no início de “Mostro Social”; ou “Por acaso calho a ser dos que passam noites em branco a reorganizar peças inacabadas, numa busca pelas palavras certas”, em “Gainsburg”; “Pego numa caneta e descarrego os nervos nesta que me parece ser a mais eficaz forma de violência”, em “Conhaque”; ou ainda “Quem? Eu? Não sabeis? Uma lenda. Quem eu sou? Uma lenda.”, no refrão do tema “Lenda”. Verdadeira ou fictícia, a personalidade que vemos “disparar para o microfone [as palavras] como balas”, ilustra o JUP, é misteriosa e vai-se revelando a cada lançamento.
O último trabalho publicado pelo ‘rapper’ chama-se “Tríptico” e está disponível no canal de YouTube do artista.

Fotografia de destaque retirada do Jornal Universitário do Porto. NERVE a atuar no Pérola Negra, no Porto.